RESIDÊNCIA DE JOAQUIM ALVES NOGUEIRA

JOAQUIM ALVES NOGUEIRA RESIDENCE

Trilhas de Guaramiranga - Ceará - Brasil

 

Considerando o quase desaparecimento do patrimônio arquitetônico de Guaramiranga nas últimas décadas, esta edificação eclética e simétrica é uma verdadeira joia. Na fachada, traz em relevo a data de sua construção grafada com algarismos romanos (MCMXXVI = 1926) e as iniciais do proprietário original (J – A – N), o comerciante e ex-prefeito Joaquim Alves Nogueira (1881-1951), o “Quincas”, que hoje também dá nome a esta rua. A casa foi construída pouco antes do casamento de Joaquim com Maria Odete de Argolo Caracas, celebrado em 1927, com quem teve dois filhos: Flávio Augusto e Jaime César. Esta residência foi herdada por Jaime, e hoje permanece preservada por seus descendentes, a exemplo da nora Helena Mattos Brito Nogueira (1931-2018), saudosa memorialista e guardiã deste relevante bem cultural.

Considering the near disappearance of Guaramiranga's architectural heritage in recent decades, this eclectic and symmetrical building is a real gem. On the façade, it bears in relief the date of its construction written in Roman numerals (MCMXXVI = 1926) and the initials of the original owner (J - A - N), the merchant and former mayor Joaquim Alves Nogueira (1881-1951), "Quincas", who today also gives his name to this street. The house was built shortly before Joaquim's marriage to Maria Odete de Argolo Caracas, celebrated in 1927, with whom he had two children: Flávio Augusto and Jaime César. This residence was inherited by Jaime, and today it remains preserved by his descendants, such as his daughter-in-law Helena Mattos Brito Nogueira (1931-2018), a nostalgic memorialist and guardian of this relevant cultural asset.

 

Joaquim Alves Nogueira: Quem deu o nome à rua principal

Joaquim Alves Nogueira (1881-1951), nasceu na povoação de Pernambuquinho, situada na extensa zona rural guaramiranguense. Seu pai, Marcos Alves de Souza, era natural do sertão dos Inhamuns. Como muitos sertanejos, havia migrado para a Serra de Baturité na época da grande seca de 1877, que dizimou um terço da população do Ceará.

Quando moço, Joaquim era conhecido por “Quincas do Marcos”, ou “Quincas Marcos”, pois cresceu trabalhando no comércio sob os auspícios de seu pai. Com o sucesso dos negócios, no dia 1º de setembro de 1904, Marcos Alves de Souza e seus filhos Joaquim e Francisco lançaram a pedra fundamental de um novo estabelecimento à Rua do Commercio, no centro de Guaramiranga, hoje a via principal da cidade denominada “Rua Joaquim Alves Nogueira”.

Constituíram a sociedade comercial sob a firma Marcos & Filhos, loja de gêneros, fazendas e muitas outras novidades. Nessa mesma data, todo o comércio da vila serrana estava assim definido: 5 lojas de fazenda, louças, ferragens, etc., 12 lojas de molhados e 2 armazéns em grosso, 1 bem montada farmácia, 1 botica, 1 hospedaria, 2 padarias, 2 alfaiatarias, 2 marcenarias, 3 barbearias, 2 ferrarias, 1 casa de bilhar, 2 sapatarias e 1 funilaria.

Autodidata, Joaquim desde muito cedo interessou-se pela leitura de jornais, revistas e, em especial, os diversos “almanaques”, periódicos publicitários ou estatísticos recheados de literatura, curiosidades e passatempos. Em 1908, o grande poeta e cronista maranhense Humberto de Campos chegou a Guaramiranga, aos 22 anos de idade, por recomendação médica. Há muito que a vila recebia os acometidos de doenças respiratórias dos mais diversos lugares, por se considerar o poder curativo dos ares salubres na altitude. Com pouco mais de um ano, Humberto retornou à sua terra natal. Tempo suficiente para o nascimento de uma grande amizade entre o assíduo leitor Quincas e o ilustre escritor.

Desde então, manteve assídua correspondência com Humberto de Campos, assim como com outros amigos intelectuais: Gustavo Barroso, Mário Linhares e o jurista e professor José Waldo Ribeiro Ramos. Neste mesmo ano, Quincas incentivou Gustavo Barroso a redigir um jornalzinho manuscrito, um dos primeiros da localidade, chamado “Beija-Flor”. O próprio Gustavo Barroso, em suas memórias, recordou da:

“Vida alegre despreocupada e gostosa. Rodas de conversa animada na farmácia do Francisco Caracas, onde ouvia com respeito à palavra do Padre Frota; no armarinho do italiano César Barsi, onde o Marinho e o velho Trimphão discutiam sobre cavalos de sela; na venda do Zeca Alves ou na loja do Quincas seu irmão; faziam agradáveis reuniões no sítio do Cel. Chichio, com os irmãos Queiroz – Daniel, Euzébio e Pedro. Arranjavam bailes no vasto sobradão do Dadá e organizavam quermesse, em que o Antônio de Figueiredo proclamava o leiloeiro. Nesta época os rapazes em férias e as moças casadoiras promoviam festinhas com músicas de piano, e havia cavalos e charretes de aluguel, que em bandos percorriam sítios”.

À essa época, seu irmão Francisco deixara a sociedade, fazendo da casa comercial apenas “Marcos & Filho”. A vocação para os negócios escolhera Joaquim, que seria o sucessor deste legado paterno por toda a vida. Em poucos anos, firmou-se como proprietário do maior empório comercial de toda a região, vendendo das mais finas fazendas (tecidos) a artigos para montaria, da louça e outras miudezas à aspirina da Bayer, de secos (não perecíveis) e molhados (perecíveis) à retalho (varejo) e em grosso (atacado).

Não se limitou ao comércio, investindo na agricultura. Foi um dos precursores e entusiastas da fruticultura na região, em especial da bananicultura, incluindo experiências com laranjeiras e abacateiros, comprou diversas propriedades dentre eles o afamado Sítio São Francisco, outrora pertencente à tradicional família Ferreira Lima, quando do primeiro ciclo do café. Costumava dizer que “em Guaramiranga não há uma só propriedade ruim, o que de fato existe são proprietários menos cuidadosos.” Sem contar as fazendas no sertão próximo, onde dedicava-se à criação e plantio de algodão.

Apesar do retrocesso político que sofreu Guaramiranga ao perder sua autonomia, extinta pela Lei Estadual nº 550 de 25/08/1899, era inegável que a “modernidade” e o “progresso” prometidos pelo governo da 1ª República batiam à porta da extinta Vila.

Quando inaugurada a primeira estrada de rodagem ligando Baturité a Guaramiranga, em 1917, a loja de Joaquim Alves Nogueira foi a primeira e única representante de aluguel e venda de carros, incluindo artigos e peças. E por falar em automóveis, Quincas investiu em maniçoba, árvore da qual se extraía borracha, uma espécie de “seringueira cearense”. Era a matéria-prima mais procurada pela recente indústria automobilística para fabricação de pneus.

Por cobrança de lideranças locais, Guaramiranga foi novamente elevada à categoria de município pela Lei nº 1.887, de 15/10/1921. Ainda não existindo eleições diretas municipais, Quincas, assim como o seu contemporâneo Cel. Chichio, foi nomeado Prefeito Municipal de Guaramiranga em 1926. Dedicando-se quase que exclusivamente à administração em detrimento de sua verdadeira inclinação comercial preferiu, a seu próprio pedido, ser exonerado do cargo meses depois. A breve experiência política, porém, deixou marcas de seu esforço, ao instituir as feiras-livres e reformar estradas.

Nesse intervalo, casou-se com Maria Odete de Argolo Caracas, com quem teve dois filhos, Flávio Augusto e Jaime César. Não demorou para que, pela segunda vez, Joaquim assumisse a prefeitura. E, desta feita, coube ao destino abreviar o seu encargo. No ano seguinte, devido a mudanças sofridas pelo país desde a Revolução de 1930, o município foi mais uma vez extinto, passando a integrar o de Pacoti, por força do Decreto Estadual nº 193, de 20/05/1931.

Todavia, a participação de Joaquim Alves Nogueira no desenvolvimento de Guaramiranga se fez de outras formas. Um exemplo: exerceu, até sua morte, o cargo de Inspetor Escolar - no que foi substituído pelo filho Flávio -, procurando, dentro das possibilidades locais, incentivar a cultura e a arte em todas as suas manifestações.

Curiosamente, assim como na vida, até mesmo a morte do “Seu Quincas” esteve diretamente ligada à sua vocação comercial. Mesmo idoso, doente e cansado, certa vez atendia ao balcão quando uma cliente lhe pediu “sene”, planta medicinal triturada em pó, na intenção de fazer um chá para o filho doente. Ocupado que estava a separar produtos em medidas, confundiu-se ao embalar o pedido entregando à mulher uma porção de arsênio em pó, composto altamente tóxico vendido como pesticida.

Minutos depois, ao perceber o engano, correu em desespero para avisá-la a tempo de não ministrar à criança a substância letal. Voltou para a loja aliviado, porém sentindo os efeitos colaterais que lhe abreviariam a já fragilizada existência. É que, na preocupação de saber se realmente trocara o conteúdo do embrulho, levara o arsênio à boca...

Talvez uma das crônicas mais lembradas da velha Guaramiranga.

FONTE: Livro “Filhos de Guaramiranga” (2019), de Levi Jucá.

 

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